Naquela manhã, ele acordou com o peito apertado, a tristeza teima em queimar seu peito.
Cumpriu seu ritual matinal e foi aos seus afazeres.
No cair da tarde, resolveu que iria ao templo, para quem sabe fazer um descarrego, não era dia de trabalho.
Ao chegar ao templo, mais uma vez contemplou sua grandeza, parou, olhou e absorto em seus pensamentos entrou. Saldou sua tronqueira com reverência e respeito a aqueles que em toda sua trajetória lhe dão sustentação e amparo.
Dirigiu-se ao interior do templo.
Mais uma vez ele olhou tudo ali, sentiu carinho na arrumação e pensou:
Os meus filhos arrumaram tudo isso com muito amor, cruzou o solo reverente e entrou.
Parou em frente ao altar, ajoelhou-se, cruzou o solo e disse:
Eu saúdo o seu em cima, o seu embaixo, o seu a direita e o seu a esquerda, dê licença de entrar em solo sagrado e me movimentar livremente por ele.
Permaneceu de joelhos e começou a chorar, suas lágrimas eram tão sentidas que o coração doía e quem pudesse ouvir seus soluços com ele choraria também.
Apenas seus gemidos eram ouvidos naquele silêncio.
Ele levanta seus olhos para o altar e diz:
Pai, porque tem que ser assim? Porque o ser humano não tem nada de humano? Porque ao invés do amor, as pessoas insistem em praticar maldades umas contra as outras?
E o silêncio novamente reinou naquele ambiente, chorava copiosamente aquele baba.
Foi no silêncio de seu coração que ouviu uma voz a lhe dizer:
Filho, porque choras tanto aos pés de vossos pais e mães orixás? Porque estas lavando com suas lágrimas de dor este solo sagrado?
Acaso esqueceste que sempre estive contigo?
Aquele baba parou seu pranto e passou a ouvir mais atentamente o que a voz lhe dizia.
Filho levante-se.
Ele se levantou.
Vire-se filho meu.
Ele virou-se.
Olhe filho meu. O que vê?
Ele olhou e viu seu templo repleto de pessoas, não havia lugar para tantos, muitos lhe sorriam, outros ainda carregavam em seus olhares as tristeza da vida. Viu muitos abraçados de seus familiares, pais, filhos, irmãos, parentes e amigos, todos estavam ali. Mas como?
E a voz mais uma vez lhe falou ao coração:
Filho meu, foste escolhido entre muitos por ter dentro de teu coração a pureza de um erê, a sabedoria de um preto-velho, a força de um caboclo e a retidão de um exú.
É você que deve amparar e não ser amparado, é você que deve ensinar e não ser ensinado, é você que deve compreender e não ser compreendido, é você que deve enxugar as lágrimas e não deixar que as suas caiam.
Não macule seu coração com as palavras daqueles que ainda não compreenderam que você é um pedaço de mim, mas eu sou você por inteiro, que é através de você que meus filhos me vêem.
Vire-se filho meu.
Ele se virou e viu, sentado em um banquinho muito simples, com suas roupas de saco, um cachimbo na boca e um sorriso que de tão largo iluminava todo o templo.
Ajoelhou-se, bateu cabeça e pediu a benção para aquele preto-velho que ali estava. Benção meu pai.
Era o senhor que falava comigo?
Era sim fio, mas não era eu hihi.
Como assim?
Fio, era o senhor de todos nós que só nos fala ao coração, só ouve a vos de Deus criador aquele que tem o coração puro e o objetivo de mostrá-lo na sua mais pura simplicidade.
Meu pai velho estou muito triste por que as pessoas não compreendem a missão do homem na terra, dói demais quando tentamos ensinar e vemos que falhamos em algum lugar do caminho.
Fio, quando sentimos que falhamos em algum lugar do caminho cabe a nós retornar a este ponto e fazer melhor, Deus sempre nos da tempo para que voltemos e reparemos aquilo que não fizemos direito, mas nem sempre a culpa é nossa, os fios é que não querem ouvir a palavra de Deus com simplicidade, querem pompas e estardalhaços, mas Deus só se manifesta pela voz do silencio e nos fala ao coração.
Meu pia, muitas vezes não sei o que fazer e nem como agir, tento ser amável mas as pessoas confundem e se aproveitam, isso cansa.
Fio, aqueles que foram escolhidos pelo criador para conduzirem seus filhos jamais serão conduzidos, sempre estarão a frente das batalhas por que lutam por aquilo que acreditam.
Suas lagrimas serão colhidas e guardadas em um frasco que se tornara um tesouro para nós, pois são lagrimas de um filho de Deus que sofre por seus semelhantes por não compreenderem que Deus o criador esta diante de cada um quando estão diante dos orixás e você fio, é o pólo de ligação entre estes fios e o pai, aquele que não acreditar que pague para ver, mas que depois aguarde a sua visita nas trevas para mais uma vez compreenderem que Deus esta em cada um de nós.
Vai fio, já é hora de você voltar aos seus, muito ainda há para fazer e todos nós contamos com você, ensine a todos o amor, a vida e a esperança.
Aquele baba abriu os olhos, pensando que tudo foi um sonho, seus olhos ainda vertiam suas lágrimas doloridas, olhou para o altar e viu nele uma rosa de pura luz, ainda sentado em seu banquinho estava aquele preto-velho a lhe sorrir, suas lágrimas rolaram ainda mais para aumentar o tesouro dos guias e orixás daquele templo.
Depois de algum tempo, ele se levantou, beijou seu congar e agradeceu ao pai criador por ser escolhido para a missão de conduzir a luz os que estão nas trevas da ignorância.
Pai Vladmir do Oxossi 17/03/2010